O Velho do Mar

 

Parte IV

 

Parou o carro a meio, exatamente no local onde as corpulentas catenárias, que ligam os torreões, passam tangencialmente ao tabuleiro. Mais uma vez, ignorou uma chamada de Louis. Esmeraldo apareceu no rio, remando vigorosamente, e imobilizou o seu pequeno barco mesmo por baixo da zona central da ponte. Ao olhar para cima, apercebeu-se de que um carro da GNR BT, que circulava sem luzes intermitentes, iria imobilizar-se, dentro de poucos segundos, atrás do carro de Maria. Virou-se para os lados de Santos-o-Velho e viu partir uma mensagem do telemóvel de Louis. “Cedo de mais!”, pensou. À cautela, não fosse o mal levá-lo de vencida, procurou uma melhor posição para o seu barco. Seguiu com o olhar a mensagem que, sob a forma de uma pequena estrela cadente de corpo azul e cauda avermelhada, rasgou o éter, tabelando em vários retransmissores da cidade. Uma avaria providencial, num dos nós de comutação, atrasou-a vinte segundos. Quando Maria se virou para o lado esquerdo, para abrir a porta e sair do carro, deparou com uma Agente da GNR que, com o rosto quase colado ao vidro, lhe pediu para abrir a janela.  Maria da Paz baixou o vidro e a Agente cumprimentou-a cerimoniosamente, perguntando-lhe de seguida se estava tudo bem. Quando viu o vazio nos olhos de Maria, instantaneamente percebeu que tudo estaria muito mal. Nesse momento a mensagem de Louis mergulhou sonoramente no telemóvel de Maria. A Agente, já com o chapéu por debaixo do braço esquerdo, apontou para o telemóvel e disse-lhe com candura:

-É melhor ler essa mensagem. Pode ser de alguém que esteja em muitos cuidados consigo!

Maria não teve forças para a contrariar. Pegou, trémula, no telefone e leu a mensagem de Louis, que dizia:

 “(...)Sulla tua bocca / Lo dirò quando la luce splenderà! O meu nome é Luís da Piedade Laranjeiro, filho de Júlia e Romão, e não quero passar nem mais um segundo da minha vida longe de ti, Maria da Paz! Volta para casa por favor. Esperarei por ti, o tempo que for preciso, sentado na soleira da tua porta”.

Já com um sorriso rasgado no rosto, Maria respondeu à Agente:

-Já está tudo bem, obrigada. Foi uma indisposição momentânea que me fez parar o carro neste sítio.

A Agente da GNR, Ângela Saltykova, semicerrou os seus grandes olhos azuis, enrugando levemente o rosto, ajeitou os cabelos loiros, apanhados num farto rabo de cavalo, e enterrou o chapéu na cabeça, deixando a pala quase colada ao nariz. Retomou a postura marcial, deu um passo atrás e, após um esmerado gesto de continência militar, disse-lhe:

-Retome a marcha da sua viatura, Sra. Condutora. Neste local é interdita a paragem, a não ser em casos de absoluta necessidade. Conduza com segurança e tenha um bom dia!

Mesmo sabendo que ninguém o iria ver, o Velho acenou lá para cima, contente, e rumou aos mares do Sul com remadas lentas, indo infinitamente para além da Cova do Vapor.

O dia despontava. Maria da Paz deu a volta para Lisboa na rotunda do Feijó, onde um intenso arco-íris nascia do monumento ao pescador, arqueando sobre Lisboa.

 

FIM