Vanessa

 

2023

 

Vanessa mora num espaçoso tê dois

Lá para os lados de Corroios.

Corpo firme e cara bonita,

Casou há três anos,

Vestida de branco e

Com copo de água numa quinta.

O marido, contudo, não a satisfaz,

Problema que ela resolve,

Solitária e às escondidas,

Após cada ato fugaz.

 

Pensa, em seguida, que o mundo há-de ser seu.

 

Quase tanto prazer, quanto o sofrível clímax da véspera,

Lhe dá o cheiro a novo do seu Peugeot 3008,

Comprado recentemente em trezentas prestações.

Entra nele, fecha a porta e

Sente o cheiro dos estofos de cabedal

Enquanto liga a sua playlist, sempre igual.

Ouve Shakira no meio do trânsito infernal

Das estradas de acesso à capital.

 

Pensa, entretanto, que o mundo há-de ser seu.

 

2033

 

Tem um lindo casal de filhos e, por isso,

Teve de se mudar para um tê três.

Agora, com o marido, as intimidades

São espaçadas de mais de um mês.

 

Vanessa ainda pensa que, embora tarde, o mundo há-de ser seu.

 

2043

 

Está sozinha em frenta ao espelho.

As rugas na cara são profundas e

O corpo desabou por causa da gravidade.

O marido saiu de casa e pediu um tempo para pensar,

Mas na verdade fê-lo porque se apaixonou

Por uma mulher com muito menos idade.

O filho mais velho sucidou-se

Por não ter jeito para o futebol.

A filha engravidou, adolescente,

Depois de uma noite de euforia e alcool.

O Peugeot foi abatido ainda antes da última prestação.

 

Vanessa tem agora a certeza de que nunca terá o mundo na mão.