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POEMA DO DIA 1 DE DEZEMBRO OU A D. JOÃO IV
Tua figura de Aramis, tua espada de gelo;
um reino dependente, e os gritos no Paço...
A revolta, a espera, o céu de jaspe e a noite...
Puseste o país em nosso nome
e a bandeira ao vento da vitória.
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LAGO DOS CISNES
Na água orlada de palidez e lua
eu vi
o amor de Odette e de Siegfried.
E nas linhas das estrelas desenhou-se
o arco do feitiço que os separava.
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BIOGRAFIA MODESTA
Eu tive uma amiga, há muitos anos já.
Vestia brocados e rendas; parecia uma figura de sépia;
havia anjos que lhe rondavam a face melancólica e triste, como um poente oriental.
Morreu há muitos anos; tinha pouco mais que duas rugas no rosto oval, nessa altura;
o seu retrato, na moldura velha, dá a ideia pungente de um perfil seráfico,
de uma soberana com uma concha de âmbar no coração.
Jaz, coberta de petúnias a que a geada matou os filamentos doces, num cemitério perto [daqui.
Não se sabe que promessas deixou escritas num papel antigo,
só se sabe que, no fio de estrelas de toda a sua existência, calma e simples,
um olhar de serenidade e chuva branca existem nos seus sonhos.
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Que figura estranha,
mitológica, diversa;
dragão ou qualquer
monstro do além.
Demónio sangrando
no papel liso;
o fogo vai derretendo
suas formas difusas.
Em metal quente,
a garganta alarga
essa longevidade
que o símbolo tem.
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LIMPIDEZ
Debaixo de um céu de cor magenta, às seis da tarde,
vejo uma rapariga que caminha, botas de cano, loira,
óculos escuros ainda, levando pela trela
um galgo italiano.
Luminária harmonia,
eles caminham como por cima de ouro,
marcham, divagam pelos olhos
de um golfinho, e um arco de nevoeiro,
que os rodeia, faz sonhar
que, pedaços de lua escurecem brandamente
à medida dos seus passos, donde se desprendem colcheias.
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No desastre das lanças, longamente,
corre o sangue dos guerreiros moribundos,
que, formando sulcos e rios profundos,
alimentam as magnólias e o poente.
Nessa guerra brandiu-se heroicamente
a espada da aliança, em que os mundos,
sem norte, vazios e infecundos
feriram as mãos de um povo adolescente.
Esses fantasmas que pairam adorei,
vozes perversas que atravessam a batalha,
et lux perpetua luceat eis.
E restam brilhos azulados na limalha
que o corpo trespassou, e eu serei
poeira ao vento que se queima e se espalha.
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silêncio de musgo nas cavalariças
ornatos e harpejos silentes na demora
que as sombras trazem no regaço
como almas cinzentas que despertam
trazidas pelo vento do fim do mundo
em lagos onde abunda simétrica fantasia
à de um gaio que grita no horizonte
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Aqui estou, senhores, aqui estou,
no Intercidades, rumo a Braga, percorrendo o país em linha quase recta,
cheio de papéis e futilidades.
Não me resta senão olhar a paisagem, atolada de águas e lama -
chove lá fora.
Percorro a minha personalidade para me entreter,
e brinco com a minha angústia como um cão com sua bola;
quero morrer, às vezes, deixar de estar e de existir,
perder a consciência de tudo, e ser afinal... um nada.
Mas que é o nada?
Não sei – e é isso mesmo que me cativa – não saber.
Não saber é ser livre,
não saber é estar disponível para todas as novidades do mundo.
Quero nada mais que isso: a novidade aliada à liberdade.
O resto, são demónios que deploro.
Cabe-me na alma, neste momento, dentro do comboio, o mundo inteiro,
e até tudo o que não é mundo, e que não sei o que é.
Fui ao notário a semana passada, tenho um selo num papel -
que me importa?
A realidade não passa daquilo que nós queremos que ela seja:
um sonho vale tanto como um imposto,
e se calhar até vale mais que este.
Que são carros rugindo, trovões bramindo, serpentes sibilando,
senão matéria una com a minha inconsciência?
Ah, é isso, quero não saber nada de concreto,
ser tudo e nada ao mesmo tempo,
ser constante e sem dúvidas,
não temer e ir além.
(Um som azul rasga-se no meu peito de feltro).
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ORAÇÃO SIMBÓLICA
Senhor,
dou-te, na minha vida, toda a abundância que me chegue;
as pedras raras magoam o meu olhar.
Entrego-te todas as minhas virtudes, alimento de Jesus,
cujo sangue precioso não seca.
Deposito em tuas mãos toda a bondade da Terra,
e à luz do teu olhar de Pai florescerão todos os meus sonhos.
Senhor, como folha de plátano meu espírito em teu leito;
por minha morte te entrego a minha alma -
os caprichos da montanha e a cobiça das estrelas,
um preço alto que pagarei.
Um pombo fere o dorso da besta
enquanto toda a claridade irrompe do teu seio.
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Perversos ductilmente, Senhor, os medos que me assolam;
dissipa-mos com teu ceptro e tua luz divina,
são quatro círculos ao redor de um corvo,
Senhor, meu Senhor, eu rogo,
misericórdia em minha agonia.
Estendo longamente minhas mãos para teu trono
(juba hirsuta de astros),
e te peço, em troca da minha devoção de filho temeroso,
que aplaques o que me acomete e tolhe.
Mesmo no fim de tudo, sou teu, Senhor.
Devoram-me as águas rompidas pelas faias,
fundas cintilações de gargantas desesperadas,
Senhor, meu amo e dono, eu me mostro aqui
diante da tua face,
humilde, em amor funesto.
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Ondeavam, ali perto, as águas bravas,
com suas fúrias libertas e espumas violentas;
vozes de peixes que brilhavam como cutelos -
uma sombra pintava no vago litoral.
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DIA DE FINADOS
Ouve os passos do silêncio na mansarda
como alisam os pinheiros suas cabeleiras
e tilintam as gotas da chuva no telhado
Eu vim para que tu me visses e dissesses
que o tempo não passou por mim, nem
uma ruga me sulca a face
a morte não me vai encontrar
Um anjo de pedra está de costas para nós
há só morte e desafio no caminho
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SONHO DE UM HOMEM PERVERSO
A linha de água tem duas cores
e um sol de cetim derrama suas chamas
sobre uma natureza-morta
Dentro da romã dormem os brancos elefantes
que se aliaram aos cristais
O tempo passa, areia caída
no chapéu do destino humano
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O Zéfiro soprando brandamente,
Amor, e o Sol em roxo recolhendo,
o mar em que ondas vão batendo
na áurea areia - e de repente
quando teus olhos vejo docemente
abrindo na praia, e florescendo,
creio ver em ti nascendo
os rubis do olhar de uma serpente.
És minha senhora e minha musa,
a canção que entoam os corais,
e que vem do coração de uma medusa.
Quero viver cem anos e jamais
perder a tua face que recusa
florir na noite, não vivendo mais.
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OS MORTOS E A NOITE
Gosto quando os mortos me visitam
durante os sonhos.
É uma maneira de reviver instantes,
de diminuir uns tantos centímetros,
e regressar ao país de Alice.
Gosto que a Lua láctea me encha
a mente de mortos queridos,
mesmo que seja só a nossa vizinha de tantos anos.
Gosto que os mortos se lembrem de mim,
e que, sob as nuvens azuis-escuras do infinito,
me visitem em modo absurdo,
para me beijarem, divertidos, a bochecha da infância.
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Uivos de bandeiras desfraldadas
do nosso descontentamento.
Perspicácia e minúcia atentas nas rodas fúnebres
do vento favónio, que tão longe vem gritando.
Ouço, cada dia mais, os sussurros dos triângulos,
e, dinamicamente, ressuma em mim essa evidência,
porque jogadas as ausências e maneiras
do nada e tudo que é, afinal, nada ainda,
uma mão de fumo percorre lentamente
o dorso do flagelo.
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POEMA DO EGO
todos os meus amigos pensam que eu sou só talentoso para fazer poemas e andar nas [lides forenses.
eu gostaria, contudo, de ser primeiro-ministro.
gostaria, e, digo-o sem pejo, teria jeito para o ser.
na faculdade de direito, até tive 15 a finanças públicas.
eu gostaria de governar e conversar,
fazer tratados e decretos,
teorizar sobre um rubens diante de embaixadores, e todos ficarem boquiabertos.
ah, sim, gostaria daquela azáfama dos comícios, das inaugurações e das correcções do [défice;
gostaria de ir a bruxelas dizer o que penso sobre a rússia.
governar é um serviço e uma arte, senhores!
eu gostaria de o fazer.
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Dias de silêncio com um luar tão branco
*
Cai qualquer água da noite no tríptico agudo
*
Sombras de fuligem aguçam suas garras
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ODE A VERGÍLIO
Num campo de libélulas
azuis, em larga Mântua,
choraste, Tu, e uma flauta
cantou na noite esparsa,
grávida de luzes.
Tem rosas e lírios
a tua boca mágica,
e como duas uvas
teus olhos são, pois,
singularidade e pena.
Curvam-se os choupos;
inclinas a tua cabeleira
de caracóis, Tu, que vieste
desse tempo perdido,
passado triste e solene.
42
Havia, na minha cozinha, um carreiro de formigas;
e o Simão foi brincar com elas. Deitei fora
os restos de comida, antes que
ficassem bolorentos.
O meu cão gosta de contemplar as formigas
e os astros. Ele sonha, como nós, que será poeta,
que será um fino papel de prata que embrulha
uma felicidade rara.
43
Não há palavras que definam, mãe, esta angústia.
O passado, que vivi contigo, é já tão distante, e perde-se já num nevoeiro tão espesso,
que me parece que o teu rosto nunca foi mais que água ou nuvem.
Tenho saudades tuas, mãe, e já não posso
erguer mais lembranças em tua honra,
porque lembrar-me de ti não é ainda bom,
mas doloroso como um punhal na carne.
Pergunto-me se estás bem, mãe. Pergunto-me
se te recordas de mim, nos vales do paraíso.
Imagino que vives agora no meio de um laranjal,
com os avós, onde tudo brilha, e vários seres, alados e azuis,
vos servem de relógio.
Tu agora proteges-me mais do que nunca, minha querida mãe,
porque os mortos, quando chegam junto a Deus,
ganham poderes.
Há nocturnas depressões que me vagueiam.
Há silêncios brancos que me calam.
Eu sei, mãe, que estás aí.
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A MÃO NA TUA MÃO
Todos os riscos de vento
que as formigas traçaram pelo espaço
são maneiras de te libertares,
suspirando em redor da tristeza.
Dessa floresta que rodeia os teus olhos,
baldios de medo e penumbra,
escuta, escuta bem, suas fantásticas
vozes de solidão e abandono.
Acende o bronze nítido das farpas
(não deixes que te levem o pó dos dias),
sacode o sincelo de teus cabelos,
e vem comigo para as portas da alegria.
45
CELEIRO
No pátio, lá em baixo, onde os patos grasnam,
há um brilho secreto de jade e estampa.
Colheste as lágrimas de um anjo na seara do Outono;
um violino e uma pedra são tudo o que te resta.
46
THE HELL BELOW THE FROG
A fera dormia sobre o espanto, e tinha
troncos de árvore em seus olhos
silêncio tecido com a pele do tempo
Não há senão milagres que simulam horizontes
omnipresentes
sorrisos descobertos, ressonâncias místicas
O lusco-fusco de uma maçã a brilhar
nas mãos do amanhecer
obnóxia presença retinta de calcários
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SINAL
surgiram no mar cinco cavalos negros, um anel
de meio-dia, inquieto na vaga
as ondas são de espuma e nada e sombras
que riem de seu próprio desengano
48
O CONVENTO
Era um convento abandonado na serra, rodeado de fetos e silvas
(uma duquesa acende uma fogueira com as gargantas das salamandras),
(uma freira reza um terço de ossadas diante do branco céu),
(uma bruxa mistura angústia e maresia no caldeirão de ferro).
Ondula uma cortina na janela mais elevada
e uma sombra deslizou atrás,
levando consigo não sei que místico grão de vazio,
que perdemos, ao olhar, versos de Além por Deus escritos.
Há uma cidra chorando na varanda do amanhecer.
Há sons onomatopaicos que circulam em redor da luz.
Tenho tantos percevejos no meu colo.
Abriga-me inteiro na fronteira do desastre.
49
AMENA BRISA
Cai mansa a chuva, cai,
como diamantes ferrugentos,
felizes árvores do mal,
onde a porta do inferno
desliza, deixando entrar
a brisa amena, feita
de pedaços de arco-íris.
50
Intuição que escorre pelas telhas daquela casa; a cumeeira
onde pousou um pombo preto, com um bico de silêncio e azar,
lá traz asfixiados os prantos em fila, folhos de laranja -
desmaiam solfejos na penumbra dos dentes.
Os cascos partiram-se no plaino de lata,
há milhares de geometrias espalhadas nas faixas do infinito;
os papéis velhos esvoaçam em cada parte dos nervos
e fibras silentes marcam sua presença pressurosamente.
Partilhamos os fígados dos foliões.
De nada serve rasgarmos os chãos de Chipre,
não há nada que os ventos vermelhos nos não tragam,
incluindo os sais do caos e da tormenta.
Quebraram-se as quilhas dos cargueiros
de jaspe e crepúsculo, silenciosas conchas de cimento.
Que de palpitações frenéticas nos pulsos do vazio,
que de máquinas terríveis esmagando as rosas.
No firmamento de lâminas acende-se uma luz, perversa
fileira de estiletes de água e pranto nos corpos.
Três delgados fusos perfuram o coração do mundo,
não tenho mais com que inferir conclusões.
51
Entraste, Senhor, em Jerusalém,
e uma luz de oiro foi derramada pela terra.
As oliveiras diziam adeus às nuvens,
agitavam-se as mãos, num entoo de hossana.
Música e fermento matinal.
Frutos, mantos, pureza, divindade,
Entraste montado num jumento.
52
Não tenho o direito de me superiorizar.
Nasci igual aos outros como uma gota de água junto de outra gota de água;
aquilo que eu acho que é superior em mim
não passa de uma fantasia na mente dos demais.
Queria que, precisamente, no manual
da justiça, em suas páginas desoladas e encardidas,
me fosse mostrado o caminho da humildade.
Esta é a forma mais pura de levar a vida.
Para quê fingir que somos diferentes, que somos
melhores? O mundo gira à mesma com a nossa igualdade,
e, além disso, ser igual é ter as mesmas felicidades e agonias,
desde a partida até à chegada.
Se fosse diferente, e, mais do que isso, fosse superior,
seria muito mais infeliz. E ser simples, como uma pomba
no coração da manhã, ou um grão de trigo na seara flava,
é ser a vida inteira sem quaisquer problemas.
53
Eu dou pequenos passos em chamber music, minha querida,
em vão jaz a minha personalidade.
Tenho fogos interiores que me sustentam e chamam.
Há uma ressonância na minha boca (que brado de ferro no corpo do crepúsculo!),
três algoritmos de algodão espalham-se na plenitude do ser.
54
Nas veias da música, nesse levante,
oráculo puro que silencia sua voz,
pradarias, e a luz de uma lâmpada
escura, como um fauno da floresta
que canta e brada e ri e chora,
buscando a pedra rara de ametista;
não vejo as folhas voarem nos teus olhos,
há só casulos de lágrimas e suspiros
ardentes, azuis, prostrados a negro;
como hei-de desfazê-los nesta hora,
em que me pesam os ombros, assim
pedra dura em taça de ouro gasto?
Atira meus caracóis janela fora,
rondem minhas águias o desespero
e que do funesto amor que nos unia
as sombras enfaixadas sigam firmes,
em procissão solene, lenta e branca,
rezando, e em procura da matéria.
Longas curvas, que dantes declaravam
seus discursos de escamas e de pregas,
e tinham a exacta medida do odor
fantástico das alfazemas abandonadas.
Fiapos de foices ondeiam na atmosfera,
e cortam meu coração arrepiado.
55
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Tens de ir andando, sempre, pelo ritmo das cores
Olha que não há esponjas de carbono
na nossa alma, e na imagem do ser
Simples, intocáveis, quase de tule feitas,
as linhas da perfeição, unidas
por pontos luminosos
e minúsculas falas
56
Que perdição a das tiaras usadas pelos escorpiões -
Fulvo oiro que se desfez na esfera e na pedra.
57
Foi o rosto de Jesus pintado por Bloch e Hofmann,
que escolheram as tintas criteriosamente.
Para os cabelos, o ocre das árvores, para as mãos, cor de sol.
Sua raiz de sangue, gnoseológica,
o senso e a alma – luz total.
58
Vê como as estrelas apagaram os gelos da infância
ardentes e cavos, falam ao ouvido
como aquela pequena música que vinha das cavernas dos oceanos
Não deixes que te mordam as polpas da alma
não deixes que mitiguem as fases da lua no teu rosto
há sempre escadas para subir
A noite morreu, porquanto a neve comeu todos os cardos
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Temo a fonte de onde brotam os círios
cilíndricos.
Nenhuma torre feita de egoísmo me pode
destruir.
Tenho galhos de cianeto em cada braço,
e jacente estou.
Líquenes me devoram a alma e nela depõem
seus prantos.
Ouve como cada sombra canta uma canção
fúnebre -
O mar dos mortos traz a solidão e a dolente
barcaça.
60
Segue o rumo, caminhando,
em direcção ao azul;
um insecto alado, no ar,
roga-te alimento.
Colhe o cereal, o pão, amigo,
da angústia nossa;
não há mais silêncio na vastidão,
só a festa do branco.
61
Numa noite de fogo e magma
coroei-te de colóides.
62
Silêncio na clareira abandonada,
olhar breve e realidade se misturam na acidez de um lago.
Cervos feitos de açúcar mascavado e esquilos de amanhecer
dançavam na vastidão linear.
Não havia mais sagrações no infinito amor.
Iluminação,
vertigem,
os ossos do Outono batiam
enquanto os pirilampos bebiam a melancolia.
63
Fúnebres arcadas, rios esmaltados
correndo, e as Parcas vão dançando
em roda do Inverno, tudo vai ficando
com signos e poentes gangrenados.
Desovam funestamente meus pecados -
uma serpente o olhar vai arrastando
pelos hematomas, que a estão mirrando -
está o setestrelo desfeito em mil bocados.
Nadam peixes negros no céu de lava -
o silêncio, tristonho, tocava um violino -
minha rude coroa de pedras rutilava.
E na face sangrenta e dócil do destino
eu deposito a máscara vil que azulava
as veias finas do meu corpo de menino.
MISSAL DE INVERNO
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ELEGIA
O chá da noite já esfriou.
Tombam suas folhas na frontaria
do poema chinês; estampa e nada e tudo
na face de um deserto perdido -
em sagrado e divino campo santo
os sangues se misturam (flores do mal),
e o iaque mandatou a Cassiopeia -
um horizonte de morte e solenidade.
É autónoma a minha
colecção de leques e de lágrimas.
Totalidade de agonia,
minha luz irisada em cada ângulo;
oh, quem me fará descer a alta escadaria
do cosmos?
A força de um aprofundado órgão
que verte tratados de lucidez.
A loucura é uma bebida acre
com leves toques de maldade.
Vem comigo para a noite simbólica;
percorre o rio de madeira docemente.
Faz também uma chamada
interurbana – o destinatário é o Diabo;
sequências de folhas e substâncias
e novembros que retinam
na palidez da espuma que a criança
faz na banheira. Tempo
aliado a uma doença de pele;
a paisagem está morta, é um cântico
de ausência, fluvialidade extrínseca
do futuro dos homens.
As vegetações cobrem as peças
que há pouco movias.
Entre duas linhas euclidianas
jaz um perfeito azul -
uma interrogação devora
a calma do urso e do transe.
65
Bebemos a tristeza do mesmo prato
verde, com arabescos,
e dissemos um ao outro, olhos nos olhos,
que o suicídio é a fatalidade das orquídeas.
A neve acumulou-se na taça escura da ignorância e da miséria,
no espelho da aurora nós vimos – palidez e autenticidade.