Em Chicago e em Reguengos, quase toquei as estrelas
Em maio de 1999 fui destacado, pela empresa onde trabalhava, para me deslocar a Chicago em missão de trabalho. Na verdade, não se tratava bem de uma viagem de trabalho mas sim de uma pequena recompensa aos funcionários mais cumpridores. Na década de 90, "desculpados" por um crescimento económico acima da média, graças aos fundos europeus, o país esbanjava alegremente dinheiro e as empresas grandes não eram excepção. A secretária do meu departamento tratou-me de quase tudo: visto de entrada, reservas de voos e hotéis, dinheiro de bolso e cartão de crédito. Entregou-me os vouchers, o cartão, mil e quinhentos dólares em notas e disse-me para usar preferencialmente o plástico nas despesas de maior monta. O dinheiro seria apenas para as despesas mais baixas. A viagem tinha como objetivo principal a visita a um certame mundial de tecnologia e produção de conteúdos para televisão. Para a área de atuação da nossa empresa tinha muito pouco interesse, mas todos os anos nos fazíamos representar. Iam colegas de todo o mundo!
Nas vésperas do embarque comprei uma mala de viagem de tamanho médio, rígida, da famosa marca SAMSONITE, azul escura. Estava longe de imaginar que num voo intercontinental com quinhentas pessoas a bordo, da Europa para os EUA, iriam no porão do avião algumas dezenas de malas quase iguais. Falta de experiência, enfim. Nem sequer me preocupei em identificá-la com um qualquer sinal distintivo que me permitisse vê-la facilmente à chegada. No dia da viagem lá me apresentei no aeroporto da portela para tomar um voo da BA que me haveria de levar a Londres, para, de seguida, apanhar a ligação Londres - Chicago.
Na descolagem do gigantesco Boeing 747 tive medo. Pensei no meu pai, que estava muito doente. A turbulência sobre os mares do norte foi quase constante mas a fleuma britânica do piloto ia-nos tranquilizando. Quase à chegada a Chicago, mais uma mensagem "pós tranquilizadora" do piloto. Que tinha vindo recentemente em ziguezagues constantes, para evitar as trovoadas, mas que aterraríamos sem sobressaltos dentro de 15 minutos. É que a zona dos grandes lagos, na América do norte, tem fenómenos climatéricos extremos na primavera. Aterrámos em O'Hare ao final da tarde. Antes de passar ao átrio principal de chegada, tive de me debater com a descoberta da minha famosa SAMSONITE, sobre os tapetes rolantes. Após três retiradas falsas, que tive de devolver à circulação, lá apareceu a minha mala azul. Já no controlo de fronteiras, o primeiro americano que me abordou foi um polícia alto e corpulento, para me inquirir, com cara de poucos amigos, sobre os propósitos da minha entrada na terra sagrada do tio Sam. Lá lhe fui respondendo a tudo, hotel onde iria ficar, certame profissional a visitar, quanto dinheiro levava comigo e a outras indiscrições que os americanos não entendem como tal.
Chegado cá fora, acabado de entrar na América, palpei o maço de notas que tinha no bolso e nem me preocupei em descobrir um transporte económico para a cidade. Simplesmente tomei um táxi, vencido pelo cansaço. O rapaz que me levou era hispânico, com, talvez, menos de trinta anos. Não era muito falador, o que para mim foi reconfortante. Parámos em frente à porta do hotel. A conta no taxímetro fechou a pouco mais de quarenta e quatro dólares. Eu, magnânimo, dei-lhe cinquenta e disse-lhe: "keep the change". Oh felicidade! Oh alegria suprema! O moço desfez-se em sorrisos e agradecimentos e levou-me a mala até ao lobby, despedindo-se, de seguida, com mais sorrisos e vénias. Uma coisa é certa, pela reação do taxista percebi que, na América, o dinheiro tinha outro valor. Pouco mais de cinco dólares, que na Europa seriam a gorjeta da indiferença de qualquer chofer de praça, despertaram uma alegria genuína naquele rapaz. Interpretei que, ao contrário do que se passava em Portugal nos anos noventa, dinheiro extra que se ganhasse e que não fosse resultado direto de esforço e trabalho seria raro naquele país e, por isso, muitíssimo bem vindo.